sábado, 28 de agosto de 2010

Por uma propaganda política menos estetizada

A Tribuna agradece a participação e contribuição dos amigos nas discussões propostas, e tentará se posicionar diante dos questionamentos levantados durante a semana.

A política funciona sob uma lógica corrompida, porque a lógica do poder, na qual se funda, é corrompida. Tratando de subjugação, dominação e controle, como poderia ser diferente? Lógica que governa os dispositivos e mecanismos da política, presente tanto nas regras formais como nos procedimentos informais, em sua parte visível – através dos decretos, das leis, dos pronunciamentos, da comunicação, dos rituais – assim como em sua parte invisível, dos bastidores, tráfegos e tráficos de informações e influência, que formam os limites da interferência da esfera privada na tomada de decisão política. Seus participantes têm pouca margem de manobra, e para se manterem no poder precisam fazer muita vista grossa, como se sabe, e uma série de concessões, relativas a um modelo anterior, que já funcionava assim antes deles chegarem ali. A tomada do poder é uma espécie de adaptação ao modus operandi existente. Um pacto com as forças determinantes. Foi o que o PT fez na presidência, a política de “gente grande” a que nos referimos.

Os negócios escusos deviam mesmo ser tratados como exceção, mas sabemos que não são. Representam a regra. Isso ultrapassa o argumento de que “existem pessoas éticas e antiéticas em qualquer partido”, primeiro porque a conceituação de “ética” já é merecedora de ampla investigação filosófica, segundo porque cria as condições para uma interpretação fácil, personalista, resumida a uma questão de caráter dos candidatos, prato cheio para as simplificações e distorções do marketing eleitoral.

Em sua formação, a Tribuna tinha a missão principal de analisar criticamente a comunicação política. Fazer a reflexão acerca dos modelos e formatos usados para “traduzir” a complexa e enredada trama da política em narrativas e linguagens próprias da comunicação de massas. Incitar o desenvolvimento de uma desconfiança crítica das mensagens políticas, certo senso de hesitação, para que não sejam incorporadas mecanicamente ao próprio repertório de argumentos, antes de submetidas a um exame mais cuidadoso.

Não propomos uma reflexão sobre como a política poderia ser transformada. Essa discussão fica mesmo a encargo dos técnicos e especialistas familiarizados com o aparelho do estado, com o ferramental técnico da realpolitik, nas estratégias e regras que regulam o relacionamento e as composições entre seus agentes. O debate da transformação da política é de toda a sociedade. Mas será possível afirmar que ele se concentra nos domínios da economia, da burocracia jurídica e da tecnocracia corporativa? A Tribuna acredita que sim.

O fenômeno político pode ser explicado a partir de uma variedade de óticas, inseridas em múltiplas ordens do discurso, que iluminam diferentes aspectos da política. Somos acostumados a pensar política com a base do discurso jornalístico, com o que captamos de informação dos canais de comunicação que acessamos. Sabemos que o discurso de política do senso comum, elaborado com base na informação das corporações de mídia, é bastante deficitário, em termos de correspondência, em relação ao ambiente da tomada de decisão política. Sabemos que ele está longe de apreender a densidade e a multiplicidade de pontos de vista que se entrecruzam na teia da política, em todas as camadas da sua acidentada tessitura.

A Tribuna enxerga uma saturação nos modos de representação da política oficial no espelho midiático, e pretende discutir o aspecto específico da comunicação política. Não tem a pretensão de propor outro modelo de política, mas de criar condições para que tentemos responder a perguntas como: Por que a representação na política nestas peças de propaganda precisa ser tão falsa, tão distante da realidade, tão ficcional? Por que é mais focada na personalidade dos candidatos do que no debate de propostas realistas para melhoria das políticas públicas?

No comercial de perfume, um cara passa a fragrância e as mulheres passam a desejá-lo. Qualquer pessoa sabe que é brincadeira, e ninguém vai reclamar que o produto não funciona como diz funcionar na propaganda. Fazendo a analogia para a propaganda política e os textos e mensagens em que os candidatos apresentam-se como salvadores iluminados: será que o eleitor, mesmo o mais desinformado, faz a distinção devida entre a realidade dos fatos e a fantasia da propaganda? Não poderá ser influenciado pela pirotecnia dos recursos e efeitos da comunicação? A política não poderia se comunicar de maneira mais educativa, a despeito de todos os possíveis prejuízos que possam ocorrer na adaptação ao que seria um novo modelo de comunicação? Seriam viáveis formas menos fantasiosas de tratar a política, menos tendenciosas no sentido de glorificar seus agentes, mais empenhadas em discutir as diferentes orientações ideológicas e propostas de ação dos partidos e seus candidatos?

A Tribuna defende uma revisão dos modelos adotados de propaganda política, a discussão de um modelo de comunicação menos cínico, a que nós jornalistas, publicitários, comunicólogos, intelectuais e artistas, não comprometidos nem envolvidos com política, podemos nos aplicar.

Não seria a hora de adotar uma propaganda eleitoral mais sóbria, barata, igualitária, focada em propostas, com menos personalização mítica e mais educação e incentivo ao exercício da cidadania?

Será que a competição inviabiliza a apresentação clara das diferenças entre as propostas, da forma como cada candidato enfrentará os problemas comuns? A competitividade impõe necessariamente o modelo de desqualificação dos adversários e louvação das próprias qualidades? Ou isso pode ser sintoma da indiferenciação entre as propostas, em última análise reforçando a práxis de um mesmo e comum pragmatismo eleitoral? Se os problemas fossem apresentados com mais honestidade, e os impedimentos e limitações para as soluções tratados com maior seriedade, a sociedade talvez tivesse maior incentivo para o engajamento organizado nas causas públicas.
A política não precisa ser tão palatalizada ao gosto do grande público, tão distorcida pelas fórmulas aplicadas aos produtos destinados às grandes audiências. Poderia ter a cara de um amplo debate público.

Pensar os moldes da propaganda eleitoral, especificamente, e da comunicação política, de forma mais geral, é a contribuição para o desenvolvimento de um modelo mais realista de representação, que não favoreça tanto a falsificação já inerente ao exercício da política. Com isso, poderiam ser reduzidos a descrença e o desinteresse das pessoas pela política, provenientes em parte por causa das sucessivas decepções diante do modelo fantasioso de representação que nos é imposto.

Um comentário:

Eduardo Viana disse...

Meu caro, a consideração que vc faz sobre ética tb serve para política: ambas merecem "ampla investigação filosófica". Não é verdade que a lógica política trata de "subjugação, dominação e controle". Disto trata a ditadura, que é apenas uma de tantas formas políticas.

De resto, concordo que a propaganda política (ou melhor, eleitoral) deveria parecer menos com anúncio de xampú. Discutirmos isto é importante. Mas será inócuo se não envolver o próprio poder público. Para mudar alguma coisa não bastam as boas intenções de profissionais de comunicação, mas leis que determinem como se dá o jogo eleitoral. Não é uma questão nada simples.