quarta-feira, 3 de novembro de 2010

O discurso dos vencedores


Fui um dentre tantos que desacreditaram em um projeto de esquerda para o Brasil, no decorrer da adaptação do governo petista ao processo político brasileiro, a partir de 2002. Parei de acreditar na ideologia da transformação que o PT defendia. Compreendi que existia uma técnica política, um malabarismo para se manter na corda bamba do poder, que era preciso praticar para estar mandando. Eu via o PT fazendo todos aqueles acordos com o pior da classe política. Era um partido como os outros. As políticas do governo anterior, dos tucanos, não foram modificadas. Os coronéis de ficha suja do PMDB se instalaram na máquina pública como um câncer, praticando o fisiologismo que não era novidade para ninguém. Escândalos de corrupção pipocaram em série e mancharam a imagem do governo. O presidente, em seus arroubos de vaidade, parecia em alguns momentos um ditador de republiqueta.


Mas eis que começa a campanha presidencial de 2010, para que a ideologia, adormecida nestes oito anos de lulismo, despertasse gritando, como recém saída de um pesadelo. A militância do partido dos trabalhadores se organizou e construiu a base de seu discurso de sustentação, a sua versão sobre os oito anos de governo Lula. A luta continua, diz este discurso, afinal de contas alguém acreditava que íamos mudar o Brasil de uma hora para a outra, sem baixas e todo tipo de dificuldade?

Segundo esta versão, o governo Lula dirigiu a sociedade brasileira para uma fase mais otimista, com a ascensão de camada da população à classe média. Revigorou um populismo desenvolvimentista que estava fora de moda, bem diferente das cartilhas neoliberais, insensíveis com a questão social e com a distribuição de renda. Para os neopetistas, o Brasil não pode ser pensado como a Coreia do Sul, a despontar com uma injeção de gestão, mas encarado como um país africano reinado pela fome. Enquanto todos os excluídos não forem reintroduzidos na sociedade de consumo, não haverá a possibilidade de um projeto de nação. A militância que trabalhou para eleger Dilma defende a ideia de que este governo reforçou a soberania nacional, devolveu-lhe a dignidade, com o reposicionamento estratégico na organização geopolítica global.

O partido, condicionado pela atuação oposicionista, teve de adaptar-se a ser situação. Certo choque de realidade política foi impingido na mentalidade petista, ainda marcada pelo idealismo de uma mudança radical da forma de fazer política. Para além das acomodações, acordos e algumas malandragens também (ora, a causa é nobre e o importante é avançar!), foi preciso também sujar as mãos. Líderes promissores do partido acabaram se sujando na inglória, porém necessária, tarefa de operar as imundas engrenagens da máquina estatal. E o barco seguiu, vencendo a tempestade da crise americana, sem sofrer abalo.

Sendo a política a arte de conciliar interesses divergentes, é natural que os políticos se desgastem no decorrer de seus mandatos. Não foi o que aconteceu com Lula. Blindado pelos oitenta por cento de aprovação, deixa o governo com a popularidade de um popstar, emplacando como sucessora uma desconhecida que não tinha projeto pessoal de poder, que se dependesse do PT jamais teria sido a candidata.

Uma oposição careta e trapalhona 

José Serra encarnou o candidato conservador, ligado ao passado, sem projeto. Demorou demais para sair candidato, após disputa com o grupo de Aécio Neves pela candidatura, não conseguindo agregar as forças oposicionistas. Teve um vice sem expressão que apequenou a chapa. Não apresentou um programa de governo, baseando todo o discurso nas críticas a um governo que conta com expressiva aprovação popular. Sua campanha cometeu todos os erros que pode, e deveria agradecer a votação que teve. Religião e aborto foram temas que prejudicaram o candidato, que tratando deles pareceu mais demagogicamente conservador do que nunca. A raposa com cinquenta anos de vida política lendo a bíblia não convenceu ninguém. Todo mundo sabe e está escrito na sua careca que é da economia que se ocupa a atormentada mente do Serra.

Não houve estratégia definida para estruturar um discurso de afirmação dos oito anos de gestão tucana, nem de defesa das privatizações implementadas no período. O assunto foi evitado no primeiro turno. Enquanto Dilma citava orgulhosamente o presidente Lula, Serra nem tocava no nome de FHC. Com isso a candidatura do governo ganhava consistência e ia conquistando o eleitorado. Com a passagem para o segundo turno, a estratégia foi a de bruscamente se vincular ao ex-presidente FHC, o que foi feito sem firmeza, errando no timing, evidenciando o desespero. Engessado pelas orientações do marketing eleitoral, o PSDB perdeu a oportunidade de antecipar o verdadeiro debate político, sobre as reais diferenças programáticas e ideológicas com o PT. A polarização entre os dois partidos começa a tomar contornos similares aos democratas e republicanos nos EUA: parecidos, com diferenças sutis na concepção das políticas de Estado, se alternando no poder.

Ao fim destas eleições presidenciais de 2010, os tucanos ficam mesmo com o papel histórico de precursores de uma nova etapa, estabilizando a economia para que uma revolução social fosse empreendida pelo governo seguinte (ainda segundo a narrativa que a militância petista defendeu na campanha). O PSDB de Fernando Henrique e Serra acompanharia a tendência mundial de fragmentação dos chamados estados-nação, em seu movimento monetarista de integração (submissão?) à ordem global, no papel de conduzir o país ao rol das nações desenvolvidas.

Já Lula teria robustecido as instituições brasileiras e a identidade nacional. O funcionalismo público de fato foi bastante beneficiado pelo governo, a despeito de não sabermos o quanto nos custará no futuro. O PT teria um projeto de ir além de conduzir o Brasil à posição devida na economia mundial, mas de desenvolvê-lo internamente, projetando-o para ser uma potência, a exemplo da China.
Segundo o discurso que prevaleceu e deu à Dilma vinte pontos de vantagem no Rio de Janeiro, não houve aumento no gasto público, mas um crescimento natural e proporcional à hipertrofia da sociedade. Sobre a corrupção, nunca tanta gente foi presa, sinal do combate intensivo ao crime. Os escândalos se sucedem porque acabou a impunidade no Brasil.

Não tenho a mínima ideia de como avaliar se as coisas se dão da forma como apregoa este discurso, que a Tribuna ouviu de eleitores do PT. Sei que todo poder cria sua memória, seu discurso de sustentação. E que só tenho a mídia como fonte de informação para basear minha consciência política. Quanto às estatísticas, além de poderem ser usadas em qualquer contexto para corroborar quaisquer ideias e argumentos, são geridas por organismos ligados ao governo, ou politicamente interessados, de modo que não podemos deixar de desconfiar delas.

A história é contada pelos vencedores. O grupo que venceu as eleições estará no poder por pelo menos doze anos. Vamos torcer para que tenha a sensibilidade social e o objetivo maior de erradicação da pobreza, como estão dizendo por aí. A Tribuna felicita e deseja boa sorte à presidente eleita.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Pornografia de Gombrowicz

Por Leonardo Gambetti


Na quarta capa de Pornografia, do polonês Witold Gombrowicz (1904-1969), o editor não perde tempo em explicar que “o romance nada tem de propriamente pornográfico”. Compreensível cautela, pois o título pode afastar leitores que façam uma avaliação apressada do seu conteúdo. Como os livreiros tradicionais dos bairros paulistanos mais caretas, que resistiram em expor em suas vitrines o Memórias de minhas putas tristes, de Garcia Márquez. Estas coisas se passam assim mesmo, mas a rigor não seria de todo acertado afirmar que o romance não tem nada de pornográfico. Há ali uma pornografia nuclear, o embrião erótico de onde se derivam todas as variantes estéticas, imagens e cores da carne humana em sua plenitude.

Gombrowicz tem elegância em não explorar o sexo para compor a sua Pornografia. Opta por uma perspectiva primordial do desejo, que nasce antes dos desdobramentos mais identificáveis como pornográficos. Com linguagem simples e concisa, pontuada pela inteligência aguda, Gombrowicz mescla diversos gêneros, como o drama farsesco, o suspense, o thriller político, com destaque para a comédia, percepção a variar de acordo com o leitor. À medida que a narrativa transcorre, desvela um sentido profundo das secretas e imemoriais ligações entre a descoberta do pecado, o sangue e a pulsão de morte. Narrativa sobre a gênese do desejo que, impotente em se realizar, trata de recriar suas possibilidades eróticas na mente. O descortinar da possibilidade do gozo na experiência do outro no cerne da pornografia. Exibicionismo mais ou menos como o da literatura, em que a realização é imaginária, através das vidas dos personagens.

O narrador e seu amigo Fryderyk, intelectuais boêmios e ociosos, vão visitar uma propriedade rural na Polônia ocupada pelos nazistas, de propriedade de um velho aristocrata conhecido do narrador, onde vive com sua família, da qual se destacam a sua jovem filha e um jovem agregado, de mesma idade, criados juntos desde a infância. Ela está noiva de um homem mais velho, e não há nada entre ela e o rapaz. Mas a dupla de hóspedes começa a desenvolver uma espécie de fascinação pelo que entendem ser a inevitável conjunção daqueles corpos jovens, que compartilham desde a infância uma intimidade natural e aparentemente desinteressada, mas que eles entendem estar em devir para uma união inevitável, natural.

A obsessão do narrador e de seu amigo em ajudar a natureza a acasalar o parzinho é o ponto de partida do romance, que se desenvolve de forma surpreendente e termina triunfalmente com um êxtase de significados. O indomável corcel negro do desejo na juventude. O que se pode oferecer em troca da beleza da juventude, o quanto de morte pode haver no orgasmo, o quanto de vida pode haver num assassinato. O silêncio dos pactos. O vigor da imaturidade dos jovens, em sua descoberta do pecado, no ritual de entrada na “juventude adulta”, o modo já indisfarçável como seus corpos, ainda não abandonados de todo pela pureza, se insinuam ao mundo adulto. O voyerismo dos velhos, famintos de juventude. A crueldade e o sadismo da juventude, e a forma como a sua leveza pode servir à transgressão. Sua capacidade de suavizar e poetizar a trangressão, subtraindo seu peso, fazendo-a potente e até mesmo bela.


Se os dois se sentiam atraídos por aquele abismo, era exatamente porque tinham condições de saltar sobre ele. Sua leveza permitia que eles assumissem os mais sangrentos empreendimentos porque eles podiam transformá-los imediatamente em outra coisa – e a aproximação deles do crime era, na verdade, a aniquilação daquele crime – ao cometê-lo, o aniquilavam.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Tribuna conta com dois novos colaboradores

Passamos a contar com os esforços de dois novos articulistas. O esteta Leonardo Gambetti vai inaugurar e tocar a seção de literatura desta Tribuna. Escritor diletante, se lança na crítica literária, mergulhando em seu multifacetado olhar sobre a vida e a arte.

Conheci Gambetti naquelas noites agradáveis na praça Sansalva, tem uns anos. A lição do filósofo Auterives acabava lá pelas dez e meia, e o pessoal se reunia na praça para conversar e beber. Ao chegar ao centro da praça, lá estavam as pessoas quase se esparramando pelo coreto, iluminadas pela luz fria da lua. Então começava a descer o vinho, e todos falavam sem parar, de tudo, confortados por um sentimento coletivo de troca. A ida e vinda das marés, do que se passaria dentro de cada uma daquelas interioridades, em contato no campo unificado, indo ter como espuma evaporada na beira da areia com que afinal nos cobriremos.

A primeira impressão que tive de Gambetti foi de um jovem alegre e consciente das inesgotáveis possibilidades da vida, que com equilíbrio cultivava a si mesmo e a exterioridade. As rodas de que participava não se dissolviam. Na maior parte das vezes Gambetti não dizia nada, só ouvia, atentamente, e fazia perguntas, se fosse o caso de fazê-las, ou calava, se fosse o momento de calar. Seus questionamentos fugiam ao que se chama de senso comum. Apresentavam formas novas e às vezes um pouco estranhas de enxergar a trama, como ele se referiu uma vez, entre goles suaves na taça de vinho. Maneiras interessantes, práticas e positivas de pensar, e consequentemente de agir e transformar. Passava longe dos arroubos de alegria falsificada, dos que têm muito medo da própria tristeza, e tentam esconder, com a máscara de otimismo, o esmerdalhamento em que estão afundadas. Não é o caso de Gambetti, que é alegre de verdade, porque entendeu cedo algumas coisas, que normalmente as pessoas comuns levam mais tempo para entender, sendo que não são poucas as que jamais entendem.

Gambetti ouvia de tudo daqueles estudantes da filosofia, mas tinha o dom de estar com eles pactuado em uma esfera por assim dizer superior. Era como se estivesse em um plano mais limpo, uma altura não alcançada quando se fazia uso ideológico da palavra, que por vezes permeia as discussões filosóficas, artísticas e políticas, desenvolvidas ao ritmo do emborcar dos copos. E Gambetti transcendendo as trocas de opiniões, irmanado com a humanidade e ao mesmo tempo com cada um e uma, habitando uma dimensão intocada pela impotência das ideologias.

Com a cautela natural e sincera, sabe o tempo das coisas, o Gambetti, porque compreende o campo unificado, onde os ritmos são modulados, onde as frequências cruzadas precisam tentar uma resultante positiva, para que a saúde do corpo permaneça. A hora de manter, a hora de mudar, de entrar e de sair de cena (e a hora de dormir). Rege como um maestro os movimentos de aproximação ou afastamento dos objetos refletidos, a cada minuto, em sua mente curiosa, buscando o que se precisa para transformar a vida em música.

Gambetti ganhou admiradores e amigos, e eu fui um deles. Não foi fácil convencê-lo a colaborar com a Tribuna. De família muito rica, Gambetti não gosta de trabalhar. Ocupa seu tempo pensando, escrevendo, passeando, investindo na amizade e no capital erótico, no bem-estar e no cuidado com os seus. A condição final de Gambetti, para ser um colaborador da Tribuna, é a de escrever apenas quando sentir vontade...

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O jornalista José Gaspar cuidará da tradicional seção de política que vinha sendo tocada por mim. Que alívio  não precisar mais gastar meu tempo com um assunto tão chato e improdutivo. Conheço Zé Gaspar desde os remotos tempos de resistência. Sempre participativo no debate político, acho que o Zé, no fundo, nunca perdeu a perplexidade diante do funcionamento social. Quando o Zé disseca política, acho que faz para ele mesmo, como se precisasse se convencer de que não há pureza em lugar algum, ou como se esperasse achar argumentos mais otimistas, que ajudassem a suavizar a sua indignação, que mostrassem que há decência, que as boas intenções estão por aí, que não se deve de antemão fechar os olhos para elas.

Quanto a mim, fundador e proprietário desta Tribuna, escreverei apenas quando tiver vontade, inspirado pela potência libertária de Gambetti. Continuo, entretanto, atuando como editor e publicador das postagens.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Estamos juntos

Acabamos de assistir ao debate da Folha dos candidatos ao governo do estado, transmitido pela Rede TV! Não é uma experiência das mais agradáveis ver o governador jantar confortavelmente seus três adversários.

Não tem para ninguém, e dois argumentos principais sustentarão esta opinião. O primeiro e mais significativo é que parece existir uma lei natural, ou espiritual, que enuncia que o discurso positivo sempre vence o negativo. Fique claro que não se trata de bem e mal, porque o discurso positivo pode estar representando o mal, e o negativo defendendo o bem. Mas quando observamos o governador defender os avanços e melhorias de seu governo – não ousamos entrar no mérito desta avaliação, pois não acompanhamos os lances comezinhos da política –, e os demais candidatos concentrados em apontar os defeitos, em dizer que está tudo uma merda, não é difícil experimentar o que a ampla maioria do eleitorado deve sentir para estar ajudando a reelegê-lo no primeiro turno. O cara faz o discurso pró-ativo, focado nas próprias realizações, não perde tempo batendo em ninguém. Porque a estrela está mesmo com ele, gostando-se ou não. Ele enche o peito e fala à vontade da “amizade” com o presidente, da proximidade com a Dilma, e repete quantas vezes puder que essa relação estreita garante mais recursos para o Rio. O discurso popular, que o povo gosta de ouvir. A campanha milionária, repleta de nomes de peso do samba e da MPB, faz a trilha para as imagens do povão risonho, sob o slogan “Estamos juntos”, elaborado com astúcia para colar na massa votante. No intervalo, um spot mostrou Lula retribuindo os elogios que recebia no debate: “As UPAs e a pacificação nas favelas foram criação do Sergio, e por isso é fundamental que ele continue”. Com isso tudo na mão, Cabral teria de fazer uma cagada muito grande para perder a reeleição.

O segundo argumento para justificar essa disputa desigual de um homem contra três, com uma vantagem que não se tem lembrança na história política recente do Rio de Janeiro, é o domínio que o governador tem das técnicas de comunicação política. É um orador convincente, seguro, conhecedor de todos os truques do palanque. Malandro nato, como antigamente, como seu pai, um parasita, um achacador. São detalhes simples que podem passar despercebidos, mas que fazem uma diferença crucial, ainda que invisível. Na hora do minuto de agradecimento, enquanto os três se apressavam em descer o cacete em tudo, Cabral sem pressa se dizia admirador do mediador Kennedy Alencar, agradecia aos organizadores, e voltava a listar as supostas conquistas de sua gestão. Preenche milimetricamente seu tempo de fala, com ritmo indo num crescendo e fechando no último segundo com frases de efeito, positivas e pró-ativas. Os outros candidatos não conseguiam se articular dentro do tempo, ou devolviam dezenas de segundos de volta aos adversários. E não tinham muito a fazer a não ser críticas, passando uma imagem negativa para o eleitor menos instruído e mais instintivo, que escolhe seu candidato com base no que entende serem suas qualidades pessoais.

Sabemos todos que o governador é um gangster. Enriqueceu rápido na vida pública, fazendo os piores pactos, com o que há de mais atrasado e mafioso, ascendendo como chefe de uma quadrilha na Alerj, praticando chantagem, extorsão, peculato. Mas infelizmente é um dos políticos mais habilidosos de sua geração, cheio de carisma e dotado de uma capacidade notável de não brigar e acumular aliados, característica importante para sobreviver no cenário político hodierno.

Jefferson Moura (PSOL) é um canastrão, artificial nos cacoetes mimetizados dos mesmos chefões que ele critica. Interpreta canhestramente um estado de indignação, dando a impressão de que sonha em ter o mesmo naipe do governador. Moura é falso, mentiroso e antipático. Sem sucesso na tentativa de dar uma de Plínio, protagonizou o momento mais pitoresco do debate. Criticando a promiscuidade das alianças e a degradação das identidades programáticas, pediu a Cabral para enumerar os 16 partidos de sua coligação. Na resposta, o governador ignorou o pedido e disse que a coalizão era sinal da boa aceitação que tinha entre os partidos. Ao tomar de novo a palavra, Moura denunciou com uma revolta afetada: “o governador não sabe quais são os partidos que o apoiam! Não respondeu a minha pergunta!”. E Cabral, respondendo, arrancou risos da plateia dizendo que achou que Moura, em sua réplica, afinal enumeraria os tais 16 partidos.

O inexpressivo candidato Peregrino não merece o gasto da nossa pena. Dele a Tribuna teve o trabalho de anotar uma pérola, que dividimos com o leitor em primeira mão: “O casal Garotinho tem ideias que podem construir a felicidade do nosso povo”.

E Gabeira, candidato apoiado pela Tribuna, não tem mesmo vocação para a disputa pelo poder executivo. Repete sempre as mesmas coisas, naquele jeitão meio sequelado... Estamos fodidos.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Sobre o debate da Folha com os presidenciáveis

É ingênuo acreditar que o debate da televisão é espaço de discussão de propostas, como se diz. Debate não é lugar para fazer proposta de governo, porque proposta de governo não se faz em um minuto, com réplica e tréplica, e porque sempre recai na simplificação demagógica do discurso eleitoreiro. Como se pode discutir propostas dentro da veloz e entrecortada lógica televisiva?

O debate serve para a observação, além do traquejo e da capacidade oratória dos candidatos, do sangue-frio e do jogo de cintura tão necessários a um chefe de governo.

O debate promovido pela Folha e transmitido domingo na Rede TV! foi intenso na troca de acusações entre os dois principais candidatos, que quebraram o pau, remoendo a pendenga entre petistas e tucanos. Serra lembrou o novo caso envolvendo Erenice Guerra, ministra da casa civil e cria política da Dilma, por permitir o tráfico de influência de seu filho dentro do governo, reclamou da quebra ilegal de sigilo da sua filha, lembrou do caso dos “aloprados” e disse que a casa civil era um foco de corrupção no governo petista, associando a Dilma ao Zé Dirceu.

Serra, o mais experiente em campanhas, tem a manha de gerir seus tempos de fala, indo sempre até o final, sem desperdiçar um segundo, diferente de Marina e Plínio, que algumas vezes deixaram buracos em suas falas, devolvendo a palavra aos adversários. Em muitos momentos mostrou certo desespero ao ficar revisitando o noticiário dos escândalos no governo, que se estivesse lendo manchetes, tentando impressionar os eleitores mais anti-petistas.

A Dilma nos debates é totalmente artificial. Ainda fica muito nervosa, se embola com as palavras, gagueja. Ainda não tem muita intimidade com os palanques, mas já vai pegar o jeito da coisa, porque está com toda cara de que vai ganhar a eleição.

Plínio é espirituoso porque não tem nada a perder, trabalha para garantir o espaço do seu partido, seus deputados e outras lideranças que defendem teorias marxistas para salvar o Brasil. O deboche do Plínio quebra a artificialidade da petista e do tucano, servindo para acordar a audiência quando está prestes a adormecer. 

Mas se o radical calasse, a audiência adormecida poderia ter um pesadelo coletivo, em que uma Dilma bruta e desfigurada capitanearia um stalinismo tecnocrático, associado ao controle do núcleo duro do partido, substituindo a utopia ineficiente dos discursos contra o sistema dos tempos de militância, pelo mergulho profundo no exercício do aparelhamento estatal e no pragmatismo da guerrilha burocrática da política. Ela seria um monstro mecânico, construído com aço subsidiado da Gerdau, com tecnologia de águas profundas da Petrobras, financiado pelo Banco do Brasil, a mando de Lula.

Em nenhum momento, entretanto, Plínio conseguiu desestabilizar os candidatos, que ficavam risonhos e aliviados quando o velho comunista intercedia com seus gracejos.

Marina Silva, apesar de seu discurso politicamente correto, não parece estar tendo muito êxito na sua estratégia paz e amor. Deixou o arsenal crítico e a radicalidade de esquerda para o Plínio e adotou uma espécie de neutralidade zen. Parece estar pavimentando o caminho para ser uma alternativa segura e confiável ao petismo, trabalhando de olho em 2014.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Mané ou sagaz?

Assisti a uma palestra sobre cultura organizacional, que tratou dos impactos da cultura dos países nas suas organizações. Quando se discorreu sobre a cultura organizacional brasileira, não pude deixar de ver suas marcas na prática mais corrente da nossa política. Analisar o que nos é próximo e familiar, com as lentes da alteridade, pode iluminar novos olhares, pontos de vista, leituras.

Entre os traços tipicamente brasileiros mencionados, a heteronomia, a desconfiança com a lei. A lei a que se deve submeter é do outro, pertencente a um domínio exterior, estranho à sua razão. A obediência está mais ligada ao respeito à autoridade e ao temor da sanção, do que à adesão ao princípio fundante da lei. Como no caso do sujeito que não assalta o banco porque teme ser preso, ferido ou morto, e não porque considera errado roubar. Ele poderá argumentar que há corrupção grossa na elaboração das leis que delimitam a margem de manobra destas instituições financeiras, ou que os legisladores são ladrões piores do que os assaltantes das agências. Poderá citar aquela frase do Brecht, que diz que roubar um banco é pouco se comparado ao crime de abrir um banco, para justificar que só não assalta um banco porque faltam colhões para tal. No Brasil, o fascínio pela esperteza define com nitidez as figuras do otário e do malandro.

Quando a imprensa noticiou os escândalos envolvendo o banqueiro Daniel Dantas, uma pessoa que o conhecia, e que não quis se identificar, disse algo mais ou menos assim sobre ele, em entrevista a um jornal: “se ele souber que uma mesa que custa 100 reais pode ser adquirida por 90, não importa a que expediente precise recorrer, ele fará, pelo gosto da manobra esperta e virtuosa, na zona onde os limites das regras não estão tão definidos”.

E o Opportunity, como tantos outros predadores do mercado, operam no limite da legalidade. Por isso ganham tanto dinheiro, porque encaram a parada como um jogo de ganhar e perder. Se entre a composição de um produto está uma determinada substância cancerígena, os executivos perspicazes vão usar a quantidade limite permitida por lei, e que se foda. Considerações de teor humanista, ético ou qualquer outra besteira ideológica são postas de lado pelos gaviões de alta performance nos negócios. O mesmo raciocínio impera na política.

Nas ruas de Botafogo há algumas intervenções com a imagem do Daniel Dantas, com a inscrição que serve de questionamento aos brasileiros: Mané ou Sagaz?

Um segundo traço de nossa cultura organizacional, que fica destacado na política brasileira, é o valor quase sagrado das alianças. O vale tudo para evitar conflitos, na maciota, como se diz. Os mais hábeis relacionalmente levam muita vantagem quando o jogo é praticado sob este axioma. Fique claro que não estamos falando do jogo de cintura, de capacidade e abertura para negociar diferenças e interesses, mas da submissão dos princípios à união de forças visando maior ganho de poder. As regras são menos consideradas do que as intenções políticas, e quanto mais estapafúrdia é a aliança, e maiores os abismos ignorados em seu nome, mais glorificado é o seu mentor, e mais louvada a sua capacidade. Aécio Neves e Cabral Filho, conhecidos pelos seus nós em pingos d’água, não nos deixam mentir.

Os apoios são negociados escancaradamente em troca de vantagens imediatas, inexiste o pudor de tentar ao menos simular um interesse público. A coisa é feita às claras, e antes que seja apresentado o argumento de que as alianças controem ambientes favoráveis à colaboração, não é isso que acontece quando não é o interesse público que está guiando os processos. Quando essas coalizões estapafúrdias conquistam o governo, logo começam a se engalfinhar por cargos, por espaço, e aí começam as brigas e o ressentimento. A política é cheia de histórias assim.

Um terceiro traço seria a descrença na meritocracia, com as crenças concentradas nas circunstâncias. No Brasil existe a desconfiança com o sucesso. Se as leis são feitas para burlar e o jeitinho e as alianças que de fato contam, as perguntas correntes são: o que esse cara fez para chegar lá? Para quem se vendeu? Em que esquema entrou para ter isso tudo? A que interesse escuso se associou? Fez que tipo de aliança espúria?

As três características superficialmente tratadas aqui, se combinam entre si e com outros traços, produzindo um desequilíbrio profundo na estrutura social brasileira, com consequências como: a predominância da visão de curto prazo (o imediatismo dos ciclos eleitorais também contribui para isso), personalismo (a descrença e o desapreço com os sistemas e as leis reforça a personalização do poder), nepotismo e aumento dos custos de transação, controle e monitoramento (decorrentes do ambiente de baixa confiança), dificuldade de agir com autonomia, alta distância de poder, baixa cooperação espontânea.

Estas características de nossa cultura organizacional são potencializadas no cenário de alta competitividade da política, e de tão arraigadas às vezes se passam por naturais ou inevitáveis. Não são.

sábado, 28 de agosto de 2010

Por uma propaganda política menos estetizada

A Tribuna agradece a participação e contribuição dos amigos nas discussões propostas, e tentará se posicionar diante dos questionamentos levantados durante a semana.

A política funciona sob uma lógica corrompida, porque a lógica do poder, na qual se funda, é corrompida. Tratando de subjugação, dominação e controle, como poderia ser diferente? Lógica que governa os dispositivos e mecanismos da política, presente tanto nas regras formais como nos procedimentos informais, em sua parte visível – através dos decretos, das leis, dos pronunciamentos, da comunicação, dos rituais – assim como em sua parte invisível, dos bastidores, tráfegos e tráficos de informações e influência, que formam os limites da interferência da esfera privada na tomada de decisão política. Seus participantes têm pouca margem de manobra, e para se manterem no poder precisam fazer muita vista grossa, como se sabe, e uma série de concessões, relativas a um modelo anterior, que já funcionava assim antes deles chegarem ali. A tomada do poder é uma espécie de adaptação ao modus operandi existente. Um pacto com as forças determinantes. Foi o que o PT fez na presidência, a política de “gente grande” a que nos referimos.

Os negócios escusos deviam mesmo ser tratados como exceção, mas sabemos que não são. Representam a regra. Isso ultrapassa o argumento de que “existem pessoas éticas e antiéticas em qualquer partido”, primeiro porque a conceituação de “ética” já é merecedora de ampla investigação filosófica, segundo porque cria as condições para uma interpretação fácil, personalista, resumida a uma questão de caráter dos candidatos, prato cheio para as simplificações e distorções do marketing eleitoral.

Em sua formação, a Tribuna tinha a missão principal de analisar criticamente a comunicação política. Fazer a reflexão acerca dos modelos e formatos usados para “traduzir” a complexa e enredada trama da política em narrativas e linguagens próprias da comunicação de massas. Incitar o desenvolvimento de uma desconfiança crítica das mensagens políticas, certo senso de hesitação, para que não sejam incorporadas mecanicamente ao próprio repertório de argumentos, antes de submetidas a um exame mais cuidadoso.

Não propomos uma reflexão sobre como a política poderia ser transformada. Essa discussão fica mesmo a encargo dos técnicos e especialistas familiarizados com o aparelho do estado, com o ferramental técnico da realpolitik, nas estratégias e regras que regulam o relacionamento e as composições entre seus agentes. O debate da transformação da política é de toda a sociedade. Mas será possível afirmar que ele se concentra nos domínios da economia, da burocracia jurídica e da tecnocracia corporativa? A Tribuna acredita que sim.

O fenômeno político pode ser explicado a partir de uma variedade de óticas, inseridas em múltiplas ordens do discurso, que iluminam diferentes aspectos da política. Somos acostumados a pensar política com a base do discurso jornalístico, com o que captamos de informação dos canais de comunicação que acessamos. Sabemos que o discurso de política do senso comum, elaborado com base na informação das corporações de mídia, é bastante deficitário, em termos de correspondência, em relação ao ambiente da tomada de decisão política. Sabemos que ele está longe de apreender a densidade e a multiplicidade de pontos de vista que se entrecruzam na teia da política, em todas as camadas da sua acidentada tessitura.

A Tribuna enxerga uma saturação nos modos de representação da política oficial no espelho midiático, e pretende discutir o aspecto específico da comunicação política. Não tem a pretensão de propor outro modelo de política, mas de criar condições para que tentemos responder a perguntas como: Por que a representação na política nestas peças de propaganda precisa ser tão falsa, tão distante da realidade, tão ficcional? Por que é mais focada na personalidade dos candidatos do que no debate de propostas realistas para melhoria das políticas públicas?

No comercial de perfume, um cara passa a fragrância e as mulheres passam a desejá-lo. Qualquer pessoa sabe que é brincadeira, e ninguém vai reclamar que o produto não funciona como diz funcionar na propaganda. Fazendo a analogia para a propaganda política e os textos e mensagens em que os candidatos apresentam-se como salvadores iluminados: será que o eleitor, mesmo o mais desinformado, faz a distinção devida entre a realidade dos fatos e a fantasia da propaganda? Não poderá ser influenciado pela pirotecnia dos recursos e efeitos da comunicação? A política não poderia se comunicar de maneira mais educativa, a despeito de todos os possíveis prejuízos que possam ocorrer na adaptação ao que seria um novo modelo de comunicação? Seriam viáveis formas menos fantasiosas de tratar a política, menos tendenciosas no sentido de glorificar seus agentes, mais empenhadas em discutir as diferentes orientações ideológicas e propostas de ação dos partidos e seus candidatos?

A Tribuna defende uma revisão dos modelos adotados de propaganda política, a discussão de um modelo de comunicação menos cínico, a que nós jornalistas, publicitários, comunicólogos, intelectuais e artistas, não comprometidos nem envolvidos com política, podemos nos aplicar.

Não seria a hora de adotar uma propaganda eleitoral mais sóbria, barata, igualitária, focada em propostas, com menos personalização mítica e mais educação e incentivo ao exercício da cidadania?

Será que a competição inviabiliza a apresentação clara das diferenças entre as propostas, da forma como cada candidato enfrentará os problemas comuns? A competitividade impõe necessariamente o modelo de desqualificação dos adversários e louvação das próprias qualidades? Ou isso pode ser sintoma da indiferenciação entre as propostas, em última análise reforçando a práxis de um mesmo e comum pragmatismo eleitoral? Se os problemas fossem apresentados com mais honestidade, e os impedimentos e limitações para as soluções tratados com maior seriedade, a sociedade talvez tivesse maior incentivo para o engajamento organizado nas causas públicas.
A política não precisa ser tão palatalizada ao gosto do grande público, tão distorcida pelas fórmulas aplicadas aos produtos destinados às grandes audiências. Poderia ter a cara de um amplo debate público.

Pensar os moldes da propaganda eleitoral, especificamente, e da comunicação política, de forma mais geral, é a contribuição para o desenvolvimento de um modelo mais realista de representação, que não favoreça tanto a falsificação já inerente ao exercício da política. Com isso, poderiam ser reduzidos a descrença e o desinteresse das pessoas pela política, provenientes em parte por causa das sucessivas decepções diante do modelo fantasioso de representação que nos é imposto.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Bufonaria eleitoral expõe ridículo da política

Dia desses assisti à propaganda eleitoral, e ali estava o pessoal de sempre, os mesmos políticos profissionais, as mesmas caras, o mesmo caô. Na televisão agem como ventríloquos, repetindo um discurso afetado e mentiroso. Ridícula a forma como a política se oferece na propaganda da televisão. Modelo desgastado, discurso vazio, insano de tão mecânico, estéril e deprimente.


A classe política fluminense está velha e decadente. Chafurda, e mal. Os deputados federais da bancada do Rio, mafiosos, estão ficando velhos e cansados. Mas não cansados a ponto de largarem o osso, os parasitas, mesmo apodrecendo pela radioatividade da mentira e a pilantragem em que metem as mãos, todos os dias, continuam a nos apresentar suas carrancas, esmerdalhadas pelo lado escuro da força. Os caras se elegem para negociar mais do alto as comissões das obras superfaturadas, os favorecimentos, todo tipo de bandalha e corrupção. Disputam um papel privilegiado de intermediários, pois o que de melhor sabem fazer é intermediar e ganhar em cima. Fazer o meio de campo, entre recursos, pessoas, empresas, decisões governamentais, composições e articulações. Sedentos por dinheiro e influência.

Qual é a técnica política, isto é, que jogo eles jogam? É o jogo da esperteza, de tirar sempre o melhor das situações, por mais indigno que possa ser isso. Não se comprometer com o que pode dar errado, por mais importante e valiosa que seja a causa. Focar em sua própria ascensão, acelerar o carreirismo rumo ao status da celebridade, como muitos homens e mulheres públicos experimentam. Os caciques dos partidos são uns gangsteres tocadores de obra, enfiados em seus ternos reluzentes, com gravatas de inquietar o Sobel. Coronéis reproduzidos ao longo dessas terras vastas para a demagogia profissional aplicada aos negócios.

Na propaganda televisiva eles aparecem com chapeuzinhos de operário, inaugurando as obras que apresentam como suas. Como se os impostos e o Estado fossem de mentirinha, e a caracterização deles como estadistas e modelos de ser humano fosse de verdade. O desfile de imagens, as crianças multicoloridas sorrindo, com a boca cheia de comida, e as palavras Emprego, Saúde, Educação e Segurança ecoando sordidamente.

No caso de deputados e vereadores, boa parte dos votos vem da base fiel de eleitores, favorecidos de alguma forma em seus mandatos, como os militares que votam no deputado que batalha no legislativo pela classe, ou os vascaínos que elegem um dirigente do clube, e daí por diante. Mesmo assim, não nos poupam do espetáculo de falsificação e mentira da propaganda eleitoral. Bufões maliciosos, manipuladores da mentira e da falsa esperança.

Os políticos jovens e aspirantes são responsáveis pelos momentos mais caricatos da campanha, e produzem nesta Tribuna uma mistura de enjoo com vontade de rir, tipo uma náusea ridícula. Rostos vincados pela soberba, pelo desejo de entrar na máfia organizada da política local. A propaganda deles faz brilhar a pujança da roubalheira, dos salões que eles frequentam e dos que fazem de tudo para frequentar.

Os caras se elegem, e a conta das campanhas milionárias vai ser paga com os esquemas fraudulentos fartamente descritos pela imprensa. A máquina da corrupção e da ineficiência segue em funcionamento, trazendo prejuízo incalculável para o país, enquanto fortunas são gastas nesses programas ridículos que apresentam os políticos como heróis.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Tribuna reanima com efervescência eleitoral

Desde 2008 não se escreve uma linha na Tribuna. Crítica incansável da subordinação da política ao jogo eleitoral, no agravamento de sua espetacularização, a Tribuna efervesce quando a campanha ganha a mídia, e revive. Em seus primeiros e esparsos anos de existência, refletia pesquisa sobre as metamorfoses sofridas pela política em seu esforço de comunicação com as massas, emprendida por um de seus principais articulistas. Certo tom academicista permeou as análises empreendidas àquela altura, em que a Tribuna acompanhou com interesse a maculação do partido ainda “intocado pela realidade política”, ainda não corrompido pelas estruturas do poder, como se acreditava. Partido que detinha o monopólio do discurso ético, que muita gente acreditava que ia transformar a política brasileira se chegasse ao poder. Talvez essas pessoas estivessem desatentas à guinada rumo ao pragmatismo orientado a resultados a que o partido vinha se alinhando, mesmo antes da vitória de seu maior expoente.

Ao chegar à presidência, este partido adaptou-se às regras da política de gente grande, e não sem o esperneio de parte de seus quadros. Primeiro a política de alianças, o rendimento ao tradicional presidencialismo de coalizão, errático, fisiológico, mais que imperfeito. A Tribuna publicou artigos, no período, chamando a atenção para o contraste entre o universo fantasioso do discurso eleitoral, voltado para a coletividade e o interesse público, e a prática viciada na sua auto-reprodução e no favorecimento privado e individual.

Depois vieram as crises de corrupção. E o partido tornou-se mais um, como os demais. Ouvimos falar em desilusão com as bandeiras políticas, em morte das ideologias. Aparentemente a política ficou mais impessoal, mecanizada em seu funcionamento de cartas marcadas, nas regras que formatam o seu modus operandi. A Tribuna registrou a constatação de que todos os agentes políticos praticam um mesmo e comum pragmatismo eleitoral, e que as bandeiras que dão nome aos partidos são esvaziadas de significados, funcionando apenas como legendas de abrigo a grupos ligados a organismos específicos, que através do mandato tentam ter maior influência na tomada de decisões de seu interesse.

Quando a proposta de uma nova prática política parecia relegada ao campo da utopia, e a esperança se esvaziava diante da realidade da prática política, a potência carismática de Lula deu um choque de personalização na indiferente composição partidária. O baixo astral causado pela adaptação do PT ao jogo político tradicional, e pelos escândalos de corrupção que comprometeram algumas de suas principais lideranças, deu lugar à euforia em torno do presidente e de sua capacidade de transferência de votos. Da descrença com o PT ao frenesi em torno da candidata Dilma.

O contexto de renascimento da Tribuna, portanto, vai da desilusão com o governo petista até a divinização da personalidade de Lula. As reflexões que aqui se farão pretendem abrir novos espaços para a expressão política, críticas do modelo falido da autopromoção importado com distorções do marketing comercial. Não estaremos embasados em nenhuma epistemologia, corrente acadêmica, comprometimento partidário ou ideologia prévia, mas guiados pela liberdade do pensamento.  

Em fase niilista, a Tribuna entende que a política, em seus moldes tradicionais, está fadada à ruína, e pretende acabar de demolir suas estruturas.
Todos estão convidados a participar deste meio de expressão do livre pensamento político.